Imprensa Sindical por Val Gomes

x

Fale comigo

Preencha os campos abaixo e deixe sua mensagem

Depressão

Se ao menos Alcyone acordasse, Joan Rodriguez (1989)

A Dra. Tânia Ferraz Alves, Diretora do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, afirma que a depressão é uma doença que “contamina a vida como um todo” e é diferente da tristeza. Mas há tratamento e profissionais qualificados para ajudar as pessoas a enfrentarem esta doença, ainda muito estigmatizada pela sociedade. Nesta entrevista concedida à jornalista Susana Buzeli ela fala sobre os sintomas, a medicação e o tratamento. Confira:

O que é depressão?
Dra. Tânia Ferraz Alves – A depressão é uma doença diferente da tristeza. A tristeza tem uma causa, um problema, algo que leva à tristeza e todo mundo já experimentou isso. A pessoa fica angustiada até o problema se resolver ou aprende a conviver com ele e vai melhorando. E quando sai do problema sente prazer. A depressão é diferente disso. A depressão contamina a vida como um todo. Você pode até dizer: olha, estou deprimido por causa de um problema no trabalho. Mas na verdade é uma identificação de causa e não uma causa propriamente dita. Pode também ter um desencadeante como na tragédia de Brumadinho (MG), onde várias pessoas apresentaram depressão após a tragédia. E agora na Pandemia quando houve sofrimento, isolamento e várias pessoas deprimiram.

Quais os sintomas da depressão?
Dra. Tânia Ferraz Alves – Muitas pessoas falam de tristeza, outras falam que não estão tristes, mas sentem falta de prazer e tudo passa por uma lente cinza. A vida perde a graça. Não tem graça sair, estar com amigos. Ao viajar, elas vão falar do trânsito, das dificuldades e dos problemas. Não do prazer, porque elas não sentem. Podem ter insônia ou hipersonia, perder ou aumentar o apetite, ter cansaço, falta de energia, queixa de memória, falta de concentração e dificuldade de tomar decisão. Podem começar a ter pensamentos de que a vida não vale a pena. A gente sempre vai investigar se um paciente deprimido tem pensamentos de morte, ideia suicida, porque isso seria um critério de gravidade. A depressão pode vir com todos esses sintomas ou parte deles, mas é importante observar que a pessoa vai ter isso na maior parte do dia, dos dias e ao longo de semanas. Falamos muito quando vamos ensinar: se você tem dúvida se a pessoa está deprimida ou tendo tristeza, porque ela teve uma notícia muito ruim ou difícil, é preciso revê-la em uma semana. Se for tristeza, ela vai estar melhor, menos angustiada. Mas se for depressão, ela não vai ter melhorado, ao contrário, tende a cronificar. A pessoa tem prejuízo no rendimento do trabalho, na escola, na faculdade, na vida familiar, e gera isolamento.

A doença atinge qualquer faixa etária e social?
Dra. Tânia Ferraz Alves – Sim. E atinge mais mulheres do que homens. Em crianças e adolescentes pode, ao invés de tristeza, aparecer irritabilidade e agressividade, o humor é mais irritável. Em idosos aparece bastante a questão cognitiva. Frequentemente os sintomas são mais físicos como as dores pelo corpo, a insônia ou hipersonia, o cansaço, as queixas de memória e de atenção. Às vezes ele não fala da tristeza, mas de tudo isso ao redor e, então, acaba tendo uma série de sintomas e comprometendo muito a qualidade de vida. A depressão pode atingir qualquer faixa social. Ela está associada a uma vulnerabilidade pessoal. A gente vê famílias com histórico de depressão e ansiedade. Também está associada a fatores estressantes, como as dificuldades financeiras e/ou problemas familiares. Tudo isso funciona para uma sobrecarga.

Como tratar a doença e quais os tipos de tratamentos disponíveis hoje?
Dra. Tânia Ferraz Alves – No diagnóstico de depressão o tratamento envolve o uso de medicação, os antidepressivos. São medicações seguras. E avaliar o uso da psicoterapia ajuda muito e pode auxiliar no uso de doses menores do medicamento. Além disso, há as ativações comportamentais. Quando a pessoa começa a ter uma melhora, a gente consegue que ela tenha lazer, faça atividade física e melhore a vida social e familiar, a espiritualidade e a alimentação. É importante olhar o estilo de vida como um todo, estabelecer um equilíbrio da vida pessoal e profissional e identificar as sobrecargas. Por exemplo, se a pessoa se sobrecarrega com o trabalho e apresenta o risco de burnout. Isso é muito importante para o adulto. Durante o tratamento precisamos trabalhar fatores de prevenção de recaídas. Começamos com uma psicoeducação, ou seja, explicar a doença, o uso do antidepressivo, o que o medicamento vai fazer e como a gente vai tratar. É importante também medidas como a terapia, pois algumas pessoas melhoram da depressão clínica, mas continuam com pensamento negativo. Elas trazem a ideia de que “não vão conseguir, não vai dar certo”, essa insegurança. E ficam com esse pensamento repetitivo.

Que medicamentos são usados?
Dra. Tânia Ferraz Alves – Os medicamentos são de várias famílias. Os mais usados são os de recaptura de serotonina e as doses variam de pessoa a pessoa. A gente trata as crianças, os adultos e os idosos, de certa forma, com as mesmas medicações, mas com doses diferentes. No idoso, a gente começa numa dose menor e aumenta devagar até chegar numa dose terapêutica. Pois eles são mais sensíveis aos efeitos colaterais. É comum o idoso ter doenças clínicas como hipertensão e diabetes. Então, temos que escolher um remédio com pouca interação medicamentosa. Sempre precisamos ajustar a dose e esperar que a pessoa tenha uma resposta terapêutica. Em geral vai demorar pelo menos um mês para a melhora dos sintomas. No começo, podem surgir efeitos colaterais que, às vezes, podemos utilizar a favor. Uma medicação que dá sono pode ser dada para uma pessoa cuja depressão tem característica de insônia ou uma medicação que aumenta o apetite pode ser dada a alguém cuja depressão causou muita perda de peso. Um antidepressivo que ajuda a parar de fumar, para alguém que quer parar de fumar. Para alguém que está com hipersonia ou muito cansado, um antidepressivo mais estimulante pode ajudar. Quando a pessoa responde ao antidepressivo, a gente ajusta a dose e acompanha. Quando não responde, precisamos trocar a medicação, precisamos potencializar. É importante ser tratado por um médico junto com um psicólogo em uma terapia cognitiva comportamental interpessoal, o que ajuda muito na depressão. A análise também pode ajudar. Ela vai tratar questões individuais.

Retrato do Dr Gachet, Vincent Van Gogh (1890)

O doente tem condições de tomar a iniciativa para um tratamento? No que as pessoas próximas podem ajudar?
Dra. Tânia Ferraz Alves – É muito comum a pessoa não ter esperança de melhora. Faz parte da depressão o pensamento negativo, às vezes de ruína, de que não vai melhorar, não vai conseguir, não vai dar certo. Essas pessoas, às vezes, não veem perspectiva de tratamento. Além disso, ainda existe muito estigma em procurar um médico que trabalhe com psiquiatria e um psicólogo. É importante ajudar a pessoa a procurar o tratamento, conversar sobre a doença, marcar e levar ao médico.

Remissão de 100%
A Dra. Tânia Ferraz Alves explica que, em um primeiro episódio depressivo, 1/3 das pessoas melhora depois de alguns meses. Se neste primeiro tratamento, o paciente não conseguir 100% remissão (diminuição ou desaparecimento dos sintomas da doença), modifica-se o tratamento e a medicação. Atingir remissão de 100% é essencial, mas é preciso em muitos casos continuar tomando os remédios indicados para que não haja recaídas.

Quanto tempo pode levar o tratamento da depressão?
Dra. Tânia Ferraz Alves – De uma maneira geral, em média uns três meses para sair da depressão. É o tempo de começar a fazer efeito a dose do remédio e ajustar. Aí, se a pessoa saiu da depressão, está melhor, voltou a ser como era antes, vamos para outra parte de tratamento que chamamos de manutenção e continuação. Mantemos a medicação na mesma dose prevenindo a recaída. Esse tratamento, se for um primeiro episódio, varia de seis a nove meses, em geral. Se a pessoa tiver episódios novos, é necessário prolongar essa fase de manutenção. É muito comum as pessoas falarem: “eu quero me livrar do antidepressivo”. Como se o antidepressivo fosse uma coisa ruim. Mas não é comum dizer: “eu quero me livrar do remédio da pressão, do remédio do colesterol”. A ideia de se livrar de uma medicação que está te mantendo bem e que, dependendo do quadro, se você já teve vários episódios, a parada desta medicação vai aumentar a chance de recaída e recorrência, a gente tem que considerar. Então, nessa hora, eu converso muito sobre o estigma de tomar medicação. É importante sempre levar em conta os efeitos colaterais e o que a gente pode ajudar quando eles existem. Ou seja, como é que eu posso manejá-los.

Como reconhecer um profissional da área médica comprometido com um bom diagnóstico e tratamento do paciente com depressão?
Dra. Tânia Ferraz Alves – A primeira coisa: a gente tem que ter o registro de especialista. Quem entrar no CREMESP (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), pois eu sou de São Paulo, e digitar o meu nome ou CRM (Conselho Regional de Medicina), vai me encontrar lá e o RQE (Registro de Qualificação de Especialista) – psiquiatra. Você pode encontrar e checar isso, por exemplo, nos sites dos Conselhos Regionais de São Paulo e do Rio de Janeiro. Onde você estiver, conseguirá entrar e verificar se esse profissional está registrado. Existe também a ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), onde é possível procurar um médico associado por estado ou cidade. Lá, além do médico associado e especialista, você pode encontrar a subespecialidade. Por exemplo, psiquiatras infantis para atender crianças e adolescentes. Psicogeriatras para atender a terceira idade, os idosos. No site do CRM também há o RQE. Se o profissional tiver uma subespecialidade, como psiquiatria infantil, psicoterapia, psicogeriatria e forense (que trabalha, por exemplo, com o judiciário), vai estar lá anotado. Se alguém tem dúvida ou precisa de uma indicação em uma cidade onde não conhece ninguém, pode procurar pelo site da ABP (www.abp.org.br) que encontrará o médico associado e de formação adequada.

Para quem não tem condições financeiras de arcar com os custos deste tratamento, onde procurar ajuda?
Dra. Tânia Ferraz Alves – Temos a rede privada e, na rede pública, o SUS (Sistema Único de Saúde) e as UBS (Unidades Básicas de Saúde). Algumas têm psiquiatra nos ambulatórios ou encaminham para um ambulatório específico. Nos bairros, temos os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial). O CAPSi para infância atende crianças e adolescentes. O CAPSad é para álcool e drogas e o CAPS geral trata a depressão. O CAPS é uma porta aberta, basta levar um documento, uma identificação de endereço para que seja regionalizado. Em geral, a pessoa vai ter um acolhimento e agendar a sua primeira consulta em cerca de duas semanas com um profissional de saúde mental. Logo em seguida, em torno de duas semanas, com o médico. Em situações de mais urgência, por exemplo, de suicidalidade, a família deve levar para um pronto-socorro de saúde mental. É importante que o pronto-socorro tenha um psiquiatra. É importante considerar que quando uma pessoa fala sobre o suicídio, ela está pedindo ajuda e a gente tem que agir rapidamente.

Como a senhora analisa o quadro de depressão no Brasil e a importância do SUS no atendimento?
Dra. Tânia Ferraz Alves – A depressão no Brasil é hoje um problema de saúde pública. Na pandemia triplicaram os casos de depressão e ansiedade. As pessoas ficaram sem tratamento, houve uma piora em razão do aumento do estresse, das pressões e também por conta de as pessoas não terem procurado o tratamento durante um período. Agora elas estão procurando ajuda. É importante ter psiquiatras e psicólogos no SUS, na regionalização, na UBS e no CAPS, para poderem tratar esses quadros. A maior parte dos quadros vai conseguir ser tratada, tanto na UBS quanto no CAPS. Eles vão responder à medicação e vão ser acompanhados lá. Casos mais graves podem precisar de internação e esses serviços vão encaminhar da mesma forma que se houver necessidade de tratamentos mais especializados. É muito importante pensar onde a gente mora, procurar no bairro. Identificar a nossa rede de atenção psicossocial para ser tratado e iniciar esse tratamento.

O que é a Síndrome de Burnout, que a senhora citou no início desta entrevista, e quais os sintomas?
Dra. Tânia Ferraz Alves – A gente tem normalmente um estresse, uma sobrecarga, mas no final de semana você descansa. Quando se tem um estresse mais elevado, às vezes, precisamos de mais tempo para sentir o descanso: uma semana, umas férias. No burnout é diferente. É um estado de total esgotamento. É a hora em que a pessoa sente que não tem energia. Geralmente se pensa no trabalho, porque habitualmente tem relação com o trabalho, mas pode ter também burnout em outras situações. Ele tem uma relação com algumas características de personalidade e características de ambiente de trabalho. Por exemplo, vai entrar em burnout, geralmente, a pessoa que sempre diz “sim” para todo tipo de ajuda. Ela não sabe dizer “não”, vai ficando sobrecarregada e começa a abrir mão dos fatores de equilíbrio da saúde mental como: atividade física, alimentação, uma noite de sono, estar em contato com a família, sair com amigos, ter lazer. É muito comum a pessoa começar a abrir mão dessas atividades que equilibram o estresse. Porque o grande problema não é o estresse em si, mas como a gente o administra. Às vezes, algumas pessoas se sentem insubstituíveis (“meu nome é trabalho e meu sobrenome muito”). Então essa pessoa começa a ficar cansada, desgastada, isso vai se acumulando e aí começa a ter uma mudança de personalidade. A gente fala de cinismo, começa a ter uma percepção de incompetência pessoal, irritabilidade, ter raiva, de dificuldade e cai a produtividade. E isso só vai entrando num ciclo vicioso até a hora em que ela não aguenta mais, e acaba tendo essa quebra que é o burnout. O esgotamento (“a bateria acabou”) e os sintomas que ela vai falar pra gente são esse sofrimento muito intenso, muito ligado ao trabalho. Angústia, impaciência, irritabilidade. Muitas vezes, uma exaustão física e mental, perda de memória, dificuldade de concentração. Você vê que muitos desses sintomas lembram uma depressão. Mas tem uma diferença. A depressão tira o prazer pela vida toda e o burnout é mais ligado à questão profissional, ao trabalho. É preciso um médico para diferenciar um do outro. Muitas vezes a gente tem burnout e depressão. Mas também tem os aspectos ambientais. Empresas que dão promoções e a pessoa vai crescendo, mas não dão treinamento. Chefias, líderes que vão pondo trabalho, dobram e redobram as metas. Um local com uma pressão muito grande para a entrega e o não reconhecimento do trabalho do outro. Lideranças que não sabem delegar e, quando sobrecarrega, o outro dá de uma vez só. Você pode ter um ambiente mais tóxico também no trabalho que facilite o burnout. Imagine uma pessoa que tenha todos esses fatores de “eu sou insubstituível”, “eu dou conta de tudo”, “eu não sei dizer não”, “não sei delegar”, “eu quero ser reconhecido pelo meu trabalho”, “eu vivo para o trabalho”. Essa pessoa provavelmente vai entrar em burnout muito facilmente. Por outro lado, há pessoas que não têm tantas características individuais, mas vivem em um ambiente tóxico com dificuldade de comunicação, feedbacks sempre negativos, metas que são impossíveis de atingir, cobranças, ambientes agressivos, com lideranças que de certa forma geram um aumento de estresse e aí pode também estar contribuindo para o burnout.

Qual a sua visão sobre a saúde mental nas redes sociais. Na sua experiência clínica, as redes sociais e a depressão podem estar relacionadas?
Dra. Tânia Ferraz Alves – A rede social pode facilitar a depressão, o burnout, a ansiedade, os transtornos alimentares e o prejuízo da saúde mental. Em parte porque a rede social nos cria um comparativo impossível. As pessoas ficam só mostrando os lados positivos e muitas vezes a pessoa se cobra por não atingir exatamente todas essas conquistas. A rede social dificulta muito porque traz, por exemplo, uma imagem corporal distorcida, na qual a pessoa não dá conta. Todos temos que ser magros, felizes, estar viajando pra cima e pra baixo, sem problemas. As pessoas se apresentam com sucessos. E a pessoa que está do outro lado está se comparando o tempo todo. “Olha, eu não sou assim, eu não estou desse jeito. Eu me sinto mais enfraquecido. Eu me sinto com dificuldades”. E quando não encontra nos pares essa mesma fala e começa a ouvir que os outros estão super bem, então ela se sente isolada, inadequada, diferente e fica buscando como chegar a um nível que não existe. Essa comparação é cruel e deixa a autoestima cada vez mais baixa. Tanto que muitas vezes as pessoas quando conversam com outras que também estão passando por dificuldades sentem-se acolhidas. A gente viu muito isso na pandemia, no isolamento no qual as pessoas, ao não conviverem, não percebiam que os outros também estavam sofrendo, estavam angustiados. Só viam a imagem passada e olhe lá. Então dá para entender um pouco o quanto essa mídia se torna e é tóxica o tempo todo. Outro fator que prejudica a questão da mídia social é que tem uma demanda. Chegam notícias o tempo todo e muitas vezes a gente começa a responder a essas necessidades que os outros apresentam. Você começa a precisar de coisas que todo mundo tem, mas que não precisava antes e que até “cinco” minutos atrás não tinha visto nem existia na cabeça. Então esse comparativo gera sofrimento, aumenta o estresse. De certa forma, as pessoas que vivem nas redes sociais e que vivem disso, criam uma personagem. Quando a pessoa tem maturidade para entender que essa personagem não é ela e não precisa ser, mas que ela está identificando para que o outro possa ver a personagem, ela segue em frente. Mas, muitas vezes, não se tem essa maturidade. E manter esse personagem superfeliz, que não tem problemas, começa a gerar sofrimento, sobrecarga e piora a saúde mental. Porque em termos de saúde mental, o primeiro passo para o cuidado é reconhecer que eu não estou bem, é reconhecer que eu preciso de ajuda, reconhecer meus limites.

Mulher adormecida com persianas, Pablo Picasso (1936)

Então, se a depressão, a saúde mental e as redes sociais estão relacionadas, como cuidar e tratar de uma sociedade doente?
Dra. Tânia Ferraz Alves – É um desafio. Hoje a sociedade está com um sofrimento muito grande e precisamos aprender com isso, com o que está acontecendo. Não vai voltar a ser como era antes, porque isso não existe. Mas a gente pode aprender e tentar se cuidar mais. Refletir, pensar em ter um equilíbrio da vida pessoal, profissional, de estudante. Dedicar-se ao desenvolvimento e lembrar que a gente é parte da vida e que é preciso conversar e interagir com as pessoas. Em minhas aulas, eu sempre brinco e peço: “peguem o celular, deem uma olhada nas configurações, no tempo de tela de vocês, dos aplicativos. Vocês estão dando esse tempo de vocês para outra coisa, é uma questão de prioridade”. Um desafio para todo mundo é desligar o celular numa refeição e conversar. Lembrar-se de desligar o celular à noite, desconectar para conectar-se com o outro, falar dos seus sentimentos. Não só para mostrar que está bem, que está ótimo, mas falar também das dificuldades, dos nossos sentimentos. Quantas vezes a gente se organiza somente por expressar, prestar atenção. Às vezes, uma parada que você faz, de respiração mais lenta, para encontrar o centro. Por exemplo, quando alguém fala algo que você não gosta, não ir imediatamente discutir. Reconhecer um pouquinho, respirar, ouvir um pouco o outro. Eu não preciso concordar com outra pessoa, mas será que eu não posso ouvir? Quantas vezes a gente se identifica com a nossa fala? “Eu sou ruim”, “eu não tenho jeito”, “eu sou incapaz”. Quer dizer, a gente se identifica com isso, ao invés de assim: “eu errei, mas quero melhorar”. É bem diferente de eu falar: “eu sou incapaz”. É uma percepção e uma disponibilidade de aprendizado. Viver o presente, não ficar remoendo o passado, aprender com o passado e não ficar desesperado com o futuro. O que realmente quero? Quais são os meus valores? Quais são os meus objetivos? Para onde estou indo? Muitas vezes a gente precisa se organizar. Comer saudável, dormir adequadamente, ter atividade física, se socializar, manejar o estresse. Não é não ter estresse, mas é administrar esse estresse. Não beber, não fumar, não ficar usando substâncias para lidar e ter uma empatia com outro e com você mesmo. Quantas vezes a gente aceita do outro o “eu estou cansado”, mas não aceita da gente mesmo. É isso que a gente faz para tentar ter um pouquinho de saúde mental. Essa empatia, essa compaixão com o outro e com a gente é fundamental. E lembrar-se de procurar ajuda. Lembrar que tem profissionais, médicos, psiquiatras e psicólogos que podem ajudar. É importante procurar ajuda, procurar tratamento.

Roda da Vida
A Dra. Tânia Ferraz Alves indica o site www.rodadavida.net. Nele é possível dar uma nota de 0 a 10 para diferentes domínios e avaliar como você está em relação aos seguintes aspectos: contribuição para o mundo, plenitude, lazer, vida social, afeto, família, finanças, propósito, equilíbrio emocional, desenvolvimento intelectual, saúde e espiritualidade. “Fazer o exercício da Roda da Vida pode mostrar que às vezes estamos pagando um preço que não é bem o que queremos, um preço que está pesado demais”, diz Tânia Ferraz. “Aí a gente começa a pensar em uma estratégia de mudança. Lembrar que é preciso fazer uma meta factível, alcançável. Evitar aquele lado que põe um perfeito e vai dar frustração, que a gente não vai dar conta. Ah, fulano dá. Fulano não é você. Ninguém vai fazer uma maratona se nunca correu. Tem que aprender a andar primeiro”.

Atualmente temos reportagens que citam adoecimento de pessoas que estão nas redes sociais. (Por exemplo, noticias.uol.com.br/colunas/andre-santana/2023/10/31/morte-de-influenciador-expoe-adoecimento-mental-nas-redes-sociais.htm). Como estar diante da tecnologia sem adoecer?
Dra. Tânia Ferraz Alves – A questão de você ser um influencer, de ter uma imagem para ganhar dinheiro e ser reconhecido, de certa forma acaba escondendo outros pontos ligados ao sofrimento. E se a gente não reconhece e trabalha isso, vai gerando, aumentando cada vez mais o preço. A fala da reportagem mostra bem que a fama e os ganhos não conseguem suprir os direitos fundamentais da cidadania, não garantem o respeito, nem completam as ausências dos afetos e de autoestima, no caso, moldado pelo racismo. A mídia social traz uma imagem, é sua imagem pública. Mas ela não fala de sofrimento e, se a gente não trabalhar esse sofrimento individualmente, você vai tendo um buraco, a síndrome do impostor, a pessoa se sente incapaz, inadequada. Muitas vezes com uma sensação de que ela até não deveria estar onde está e, muitas vezes, nesse momento, ela começa a desvalorizar aquilo que já conquistou. Quando isso acontece com pessoas que ganham fama muito rápido e são dependentes dos outros validarem suas redes sociais, é preciso ter maturidade. Senão a pessoa vai ficando fragilizada cada vez mais e isso é um dado importante para a depressão, que é uma doença multifatorial. Tem pessoas mais propensas a ter depressão por questões genéticas, como também pelo estresse e sofrimento que ela vive. A pressão do dia a dia favorece entrar em depressão. Quem não se encaixa no perfil midiático se sente inadequado, se sente marginalizado, sofre. A gente fala muito sobre inclusão. No entanto, se você vai a uma empresa e pergunta quantas pessoas acima de 60 anos ou com determinadas características trabalham nessa empresa, pode ser que a resposta seja uma e olhe lá. Isso não é inclusão. A diferença é vista de uma forma muito desvalorizada. Na verdade você tem uma sociedade excludente. Muitas vezes a gente vai precisar de ajuda com a psicoterapia. O autoconhecimento, a autorregulação, como eu lido com a frustração. Hoje em dia temos uma sociedade com dificuldade de lidar com a regulação emocional. Raiva, frustração e tristeza são sentimentos que não se pode ter. E se eu não posso ter, simplesmente não olho para eles, quando eles vêm eu não dou conta. Gosto muito do desenho animado “Divertida Mente”. É interessante porque fala muito de como a gente rejeita algumas partes que consideramos que não são adequadas, mas que às vezes são tão importantes, porque são o que nos faz a diferença e nos faz crescer. Ajuda um pouquinho nessa questão da saúde mental. A sociedade precisa de políticas públicas que realmente tenham acolhimento, espaço para atendimento, que você tenha possibilidade de se cuidar, que possa procurar serviços de saúde. A gente tem a procura da UBS e do CAPS. A UBS é sempre porta de entrada, mas também o CAPS é porta aberta. Só que as pessoas às vezes têm dificuldade de ir, os horários não batem e a gente acaba tendo um desafio aí para cuidar de toda uma população que precisa de ajuda.

Perfil: A Dra. Tania CT Ferraz Alves é médica psiquiatra e psicogeriatra. Formada pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, com residência em Psiquiatria pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e doutorado pela FMUSP. Atualmente é diretora das unidades de internação do IPq HCFMUSP e coordenadora do Departamento de Psicogeriatria da Associação Brasileira de Psiquiatria.

Entrevista concedida à jornalista Susana Buzeli para o Jornal A Massa, do Sindicato dos Padeiros de São Paulo

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *